Cap. 4
Eu Andava em Perplexidade
Enquanto trocava de avião para Dallas no Internacional JFK em Nova Iorque, eu estava ofuscado pelas vistas e sons que me rodeavam. Aqueles de nós que crescemos na Europa e Ásia ouvimos histórias a respeito da riqueza da América, mas até vermos com nossos próprios olhos, as histórias parecem contos de fada.
Os americanos são mais do que inconscientes de sua riqueza – o tempo todo eles parecem quase não se dar conta dela. Encontrando uma cadeira macia para descansar, fiquei pasmo, perplexo como se vestiam bem, com a beleza de suas roupas e calçados. A boa qualidade de seus tecidos, a coloração, estava além de qualquer coisa que já tivesse jamais visto. Como eu perceberia de novo, e de novo, esta nação normalmente tomava esta atordoante opulência como algo garantido.
Como eu faria várias vezes – quase diariamente – nas semanas seguintes, eu comparava suas roupas àquelas usadas pelos evangelistas nativos, os quais eu tinha deixado somente a poucas semanas antes. Muitos andavam descalços entre as aldeias ou trabalhavam usando frágeis sandálias. Seu vestuário de algodão desbotado, não seria visto, nem mesmo como trapos limpos nos Estados Unidos. Então descobri que muitos americanos tinham armários cheios de roupas que usavam apenas ocasionalmente – e recordava que por anos viajava e trabalhava com apenas algumas peças na mochila. Eu vivi o estilo normal de vida da maioria dos evangelistas das vilas.
O economista Robert Heilbroner descreve o luxo de uma típica família americana, ao qual ela teria de abandonar se eles morassem entre os 1 bilhão de pessoas famintas dos outros 2/3 do mundo.
Comecemos invadindo a casa de uma família típica americana para tirar sua mobília. Sai tudo, camas, cadeiras, mesas, aparelhos de TV, lâmpadas. Deixaremos a família com alguns cobertores velhos, uma mesa na cozinha, uma cadeira de madeira. Junto com as cômodas iriam as roupas. Cada um da família poderia ficar com a sua roupa ou vestido mais velho uma camisa ou blusa. Nós permitiremos um par de sapatos para o chefe da família, mas nenhum para a esposa ou para os filhos.
Iríamos para a cozinha. Os utensílios todos seriam retirados, e no guarda-louça... a caixa de fósforo pode ficar, um pequeno pote com farinha, um pouco de açúcar e sal. Uns poucos tomates mofados, tirados da lata do lixo, mas devem ser guardados porque farão parte do jantar. Vamos deixar um punhado de cebolas e um prato de feijões secos. Todo o resto será levado embora, a carne, os vegetais frescos, os enlatados, as bolachas, os doces.
Agora vamos desmanchar a casa, o banheiro será desmantelado, a água encanada cortada, e a energia desligada. O próximo passo é deixar a casa. A família pode mudar-se para o depósito de ferramentas. As comunicações são as próximas. Sem jornais, revistas ou livros - não que eles as tenham perdido, é que tiramos da família, a capacidade de leitura. Ao invés disso, na nossa favela permitiremos um rádio... .
Agora os serviços do governo. Não temos carteiros, ou bombeiros. Temos uma escola, mas está a 5 km de distância, e consiste de apenas duas salas... Não existe, naturalmente, nem hospitais, nem médicos nas vizinhanças. A clínica mais próxima está a 25 km e é atendida por uma parteira. Pode se chegar lá de bicicleta, contanto que a família tenha uma bicicleta, o que não é comum...
E por fim, dinheiro. Nós permitiremos cinco dólares em dinheiro no caixa da nossa família. Nós impediremos que o pai de família experimente a tragédia de um camponês Iraniano, que ficou cego, porque não conseguiu US$ 3,94 dólares, que ele erroneamente pensava necessitar, para receber tratamento num hospital onde teria sido curado.
Esta é uma descrição precisa do estilo de vida e do mundo do qual eu vim. No momento em que toquei o solo Americano, eu andei numa inacreditável perplexidade. Como pode duas economias tão diferentes coexistir simultaneamente na terra? Tudo era tão opressivo e confuso para mim no princípio. Não somente tive que aprender coisas simples – como usar um telefone público, fazer cambio – mas como um Cristão sensível, pegava-me constantemente fazendo avaliações espirituais de todas as coisas que eu via.
Enquanto os dias se tornavam semanas, eu começava a compreender com assombro, o quão desfocado são os valores espirituais da maioria dos crentes do Ocidente. Triste dizer, mas parecia-me que a maioria deles estava tão absorta nos mesmos valores humanísticos e materialistas que dominavam a cultura secular. Quase imediatamente, eu senti que um terrível julgamento estava pairando sobre os Estados Unidos da América. – e eu tinha que alertar o povo de Deus que Ele não ia dar generosamente esta abundância para sempre. Mas a mensagem ainda não tinha sido formada em meu coração, e levaria alguns anos para sentir a unção e a coragem para pregar contra tal pecado.
Enquanto isso, no Texas, uma terra que de muitas maneiras é um retrato da América, eu cambaleava, aturdido com a maioria das coisas mais comuns. Meus anfitriões apontavam-me ansiosamente, aquilo que consideravam suas maiores realizações. Eu concordava educadamente quando eles me mostravam seus grandes templos, arranha-céus e universidades. Mas isto não me impressionava muito. Afinal eu tinha visto o Templo Dourado em Amristar, o Taj Mahal, o Palácio dos Jhans, a Universidade de Baroda em Gujarat.
O que realmente impacta os visitantes dos outros 2/3 do mundo são as pequenas coisas tão normais para os americanos. Água potável disponível vinte e quatro horas por dia, energia elétrica contínua, telefones que funcionam e uma impressionante rede de estradas asfaltadas. Na Índia, a água, eletricidade, telefones e transporte funcionam irregularmente – se funcionam. Comunicações são um pesadelo. Nós temos que esperar por dias para uma chamada a longa distância. Ao mesmo tempo não tínhamos televisão na Índia, mas meus anfitriões americanos pareciam ter uma TV em cada quarto – e operando dia e noite. Este fluxo onipresente da mídia me perturbava. Por alguma razão, os americanos pareciam ter a necessidade de cercar-se de barulho o tempo todo. Mesmo em seus carros, eu notei que os rádios ficam ligados mesmo quando ninguém está ouvindo.
Por quê eles sempre têm de estar entretendo ou sendo entretidos? Eu desejava saber. Era como se eles estivessem tentando fugir de um sentimento de culpa, que eles ainda não tivessem definido ou mesmo identificado.
Eu estava constantemente atento do quão grandes – e gordos – a maioria dos americanos pareciam ser. Os americanos precisavam de carros grandes, casas grandes, e mobília grande, porque eles são gente grande.
Eu estava assombrado como era importante o comer, beber, fumar, ou mesmo o uso de drogas no estilo de vida ocidental. Mesmo entre os crentes, a comida era uma parte significativa dos eventos cristãos.
Isto, naturalmente, não é ruim em si mesmo. As Festas de Amor eram uma parte importante da vida da igreja do Novo Testamento. Mas os banquetes podem chegar a extremos. Uma das ironias é o pequeno preço que os americanos pagam pela alimentação. Em 1998, as despesas pessoais nos estados unidos estava na média de $19,049 por pessoa, dos quais $1,276 (6.7 por cento) foram para comida, deixando confortáveis $17,773 para outras despesas. Na Índia, uma pessoa comum tinha só $276 para gastar, dos quais $134 (48.4 por cento) foram para comida, deixando escassos $142 para outras necessidades para o ano inteiro. Eu tenho vivido com esta realidade a cada dia, mas os americanos tem uma grande dificuldade em pensar nestes termos.
Freqüentemente quando falava a uma igreja, as pessoas pareciam comovidas quando eu contava sobre o sofrimento e as necessidades dos evangelistas nativos. Eles geralmente tiravam uma oferta e me presenteavam com um cheque que me parecia uma grande quantia de dinheiro. Então com sua usual hospitalidade, eles convidavam-me para comer com os líderes após a reunião. Para meu assombro, a comida e “comunhão” freqüentemente custava mais do que aquilo que eles tinham dado para missões. E eu estava pasmo em descobrir que as famílias americanas rotineiramente comem numa única refeição, o bastante para alimentar uma família asiática por uma semana. Parecia que ninguém mais notava isso além de mim, e devagar entendi que eles não tinham compreendido o significado da minha mensagem. Eles eram simplesmente incapazes de entender a imensa necessidade dos povos além-mar.
Ainda hoje, às vezes, não sinto-me confortável fazendo um pedido de alimentação, quando viajando pelos Estados Unidos. Eu vejo o preço e imagino o quanto daria para comprar com aquela importância na Índia, Myanmar (antiga Birmânia), ou Filipinas. Subitamente eu já não sinto tanta fome quanto antes.
Muitos missionários nativos e suas famílias experimentam dias sem alimentação – não porque estão jejuando voluntariamente – mas porque não têm dinheiro para comprar arroz. Isto acontece especialmente quando eles começam um novo trabalho em aldeias onde não existem cristãos.
Recordando o profundo sofrimento dos irmãos nativos, eu às vezes me recusava a servir a sobremesa tão freqüentemente oferecida à mim. Tenho certeza que isto não fez nenhuma diferença no suprimento de comida para as famílias famintas, mas eu não podia suportar ter algum prazer em comer, quando os obreiros cristãos na Ásia, estavam famintos. A necessidade tornou-se real para mim através do ministério do Irmão Moses Paulose, que hoje é um dos missionários nativos que sustentamos.
Milhões de pobres, pescadores analfabetos vivem ao longo das milhares de ilhas em milhas sem fim das remotas costas da Ásia. Suas casas geralmente são choupanas feitas de folhas e estilo de vida extremamente simples – trabalho duro e pouca diversão. Esses pescadores e suas famílias são alguns dos povos mais não-alcançados do mundo. Mas Deus chamou Paulose e sua família para levar o Evangelho para as vilas ainda não alcançadas do Tamil Nadu e da costa Leste da Índia.
Eu me recordo visitando a família de Paulose. Um das primeiras coisas que ele descobriu, quando começou a visitar as aldeias foi que não poderia conseguir nenhum impacto efetivo com a literatura, ou folhetos porque não sabiam ler. Ele decidiu usar slides, mas não tinha projetor ou dinheiro para comprar um. Então ele fez repetidas viagens ao hospital onde vendia seu sangue até conseguir o dinheiro necessário.
Era emocionante ver as multidões que o seu projetor de slides atraia. Rapidamente enquanto ele instalava um lençol branco que servia de tela, milhares de adultos e crianças se agrupavam ao longo da praia. A senhora Paulose cantava canções evangélicas, através de um alto-falante energizado por uma bateria de carro, e seu filho de cinco anos de idade citava versículos da Bíblia para os transeuntes.
Quando o sol se punha, o Irmão Paulose começava a pregar apresentando os slides. Por várias horas, milhares sentados na areia, ouviam a mensagem do Evangelho enquanto as ondas do mar, murmuravam uma música de fundo. Quando ele finalmente começava a arrumar as coisas para ir embora, eu tinha de andar com cuidado para evitar pisar em alguma das centenas de crianças que dormiam na areia da praia.
Mas a tragédia por detrás disto era a secreta inanição de que Paulose e sua família enfrentavam. Uma vez eu ouvi sua sofrida esposa confortando suas crianças e dando-lhes água para beber, em uma mamadeira, afim de evitar a aflição da dor aguda provocada pela fome. Não tinham dinheiro para o leite. Envergonhado dos vizinhos não-crentes descobrirem que estavam sem comida, Paulose mantinha as janelas e portas de seu quarto alugado fechadas para que os vizinhos não ouvissem o choro de suas quatro crianças famintas.
Em outra ocasião, um dos seus filhos mal-nutridos dormiu na sala de aula porque estava enfraquecido pela fome. “Tenho vergonha de contar aos professores e vizinhos,” ele contou-me.
“Somente Deus, nossas crianças, minha esposa e eu sei a verdadeira história. Nós não murmuramos ou ficamos infelizes. Estamos alegres e totalmente contentes em nosso serviço para o Senhor. É um privilégio sermos tidos como merecedores em sofrer por Seu amor...”
Mesmo quando o professor puniu seu filho por falta de atenção na sala, Paulose não contou seu sofrimento secreto para não trazer vergonha ao Nome de Cristo. Felizmente, neste caso, fomos capazes de enviar suporte imediato para ele, e agradecemos a generosidade dos cristãos americanos. Mas para muitos outros, a história não termina tão alegre.
Será culpa de Deus que homens como o Irmão Paulose estão passando fome? Eu tenho certeza que não. Deus tem provido mais do que o suficiente para satisfazer as necessidades de Paulose e de todas as necessidades dos outros 2/3 do mundo.
Um amigo em Dallas recentemente chamou a minha atenção à construção do edifício de um novo templo custando $74 milhões de dólares. Enquanto este pensamento estava explodindo em minha cabeça, ele mostrou-me outro templo de $7 milhões a menos de um minuto um do outro.
Estes edifícios extravagantes são insanidade pela perspectiva daqueles 2/3 do mundo. Os $74 milhões gastos na construção de um novo prédio aqui, poderia construir próximo de quinze mil igrejas de tamanho médio na Índia.
Os mesmos $74 milhões poderiam ser o bastante para garantir a evangelização de todo um estado – ou mesmo um pequeno país da Ásia.
Mas eu raramente falava em público sobre esses assuntos. Eu entendia que eu era um hóspede. Os americanos que construíram estes prédios também tinham construído a escola onde estava estudando, e eles também estavam pagando meu sustento enquanto estudava. Entretanto, isso me deixava pasmado, pois, estes edifícios tinham sido construídos para adorar a Jesus, que disse – “As raposas tem covis, e os pássaros do céu tem seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”(Mateus 8-20).
Hoje na Ásia, Cristo ainda está vagueando sem lar, Ele está procurando por um lugar onde reclinar a Sua cabeça, mas em “templos não feitos com mãos humanas”. Até que possam construir seu próprio pequeno templo, nossos novos convertidos geralmente se reúnem em suas próprias casas. Nas comunidade não-cristãs, freqüentemente é impossível alugar um local para congregar. Mas ao invés de atrapalhar o crescimento da igreja e o evangelismo, eu descobri, que isto também com freqüência aumenta nosso impacto na comunidade.
Há uma ênfase tão grande na construção de templos na América que nos às vezes nos esquecemos que a Igreja são as pessoas – não o lugar onde as pessoas se encontram.
Mas Deus não me chamou para lutar contra o programa de construção de templos. Eu penso que o que me preocupa mais do que o desperdício, é que estes esforços representam uma preocupação mundana.. Por que não podemos decidir gastar uma simples décima parte do que usamos para nós mesmos, na causa do evangelismo mundial? Se unicamente as igrejas dos Estados Unidos tivessem feito esse compromisso em 2000, teria havido aproximadamente $10 bilhões disponíveis para o alcance do Evangelho.
E há mais, se nós tivéssemos usado estes fundos para apoiar missões nativas, poderíamos ter colocado em campo um exército de evangelistas maior do que uma grande cidade.
Fonte: "Revolution in World Missions"
Autor: Dr. K.P. Yohannan
Tradução: Hermann & JeffQuevedo
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